Preparação física e musculação

 Não sendo um artigo directo ao atletismo, serve muito bem para tirar algumas ideias do que fazer a nível muscular, para que servem as series e de que modo se devem fazer, e nisso temos aqui a ideia principal de como funciona.

                 Considerações sobre preparação física e musculação

Musculação não serve somente para ficar forte. Na minha opinião é uma das formas mais completas de actividade física porque pode atender as mais diversas finalidades.
Dependendo da maneira que se executa o exercício a musculação permite: Ganho de massa muscular (para os fisiculturistas), ganho de resistência física, melhoria do desempenho cardio respiratório, trabalho específico de grupos musculares isolados (o que pode ser utilizado como técnica fisioterápica para restabelecer o equilíbrio entre os grupos musculares e/ou trabalhar grupos musculares que apresentem alguma deficiência bem como o reforço articular). Alem disso, executar os exercícios de Musculação em aparelhos é a melhor maneira de evitar danos causados pela sobrecarga e com isso prevenir lesões articulares graves.
Então vamos lá.
Em primeiro lugar. Os equipamentos de musculação de boa qualidade são aqueles que apresentam Boa Ergonomia.
Ergonomia é a ciência que estuda as características de um determinado objecto em relação a sua função de modo que executar sua função não se torne algo danoso ao nosso corpo/organismo. Uma mesa de digitação, por exemplo, pode se tornar um destruidor de colunas e articulações em geral, assim, para se evitar que os digitadores que passam horas neste tipo de estação de trabalho tenham lesões é preciso que a estação de trabalho tenha uma cadeira confortável que permita manter encosto adequado e posicionamento adequado do digitador durante seu trabalho. Para isto são utilizados cadeiras de encosto alto e suporte para os pés que permitem a posição mais confortável possível ao usuário. Dentro deste exemplo vemos como medidas bem simples podem tornar uma estação de trabalho não ergonómica em uma estação de trabalho ergonómica.
O mesmo se aplica aos aparelhos de musculação. Como a carga de trabalho num aparelho deste tipo pode ser intensa se o aparelho não oferecer segurança ao usuário ou este o utiliza de maneira inadequada lesões musculares e principalmente articulares graves poderão ocorrer causando em determinadas situações danos irreversíveis. Alem disso cada equipamento permite, deve permitir, trabalhar um grupo muscular específico e somente um grupo específico, e enquanto isto é feito o restante do corpo permanece em repouso ou em situação adequada de forma a não forçar as articulações ou grupos musculares evitando-lhes danos.
Na minha opinião, fazer uso de Alteres para a prática da musculação deve sempre ser evitado. Apesar de haver uma crença dentro dos ginásios que o uso de alteres é a forma mais rápida de se ganhar massa muscular, o seu uso sempre é feito de maneira inadequada levando a uma sobrecarga exagerada das articulações, principalmente coluna vertebral e joelhos, o que geralmente acaba por causar-lhes lesões graves. O uso das máquinas de musculação permite o mesmo desenvolvimento muscular que os alteres e é a maneira mais segura de realizar os exercícios sem colar em risco a ocorrência de danos ao seu corpo.
A forma com que o exercício deve ser feito é muito importante e vai depender do objectivo do treino.
Um músculo para ganhar fibra muscular, ou seja ganhar massa, ou ter seu desempenho melhorado (aumento da resistência muscular ao exercício) precisa fazer o movimento obedecendo algumas regras.
1- Deve haver resistência ao movimento, daí a utilização de cargas/pesos na execução do exercício.
2- A velocidade de contracção do músculo durante a execução do exercício é muito importante e deve estar em permanente controle.
3- O número de repetições/intensidade do exercício esta directamente ligada a finalidade do treino.
4- A extensão do movimento, define o grau e a forma da contracção muscular.
5- Devemos trabalhar constantemente a parte cardio respiratória durante cada exercício.
Vejamos cada um destes itens em detalhes.
Carga: A carga a ser aplicada na execução do exercício irá depender do objectivo do treino. Cargas grandes devem ser usadas quando o objectivo seja ganhar massa muscular. Cargas pequenas são usadas para se ganhar resistência muscular/física.
Velocidade do exercício: Também é determinada pelo objectivo do treino. Para ganhar massa muscular o movimento deve ser feito com uma velocidade de 25% a velocidade máxima que se consegue executar o movimento com a carga escolhida para tal. Para melhorar a resistência física do grupo muscular/atleta devemos realizar o movimento do exercício com uma velocidade de 75% da velocidade máxima que se consegue executar o movimento com a carga escolhida.
Como calcular a velocidade?
Monte o parelho com a carga escolhida. Posicione seu corpo para executar o movimento. De um gás pleno e execute o movimento na máxima velocidade possível observando seu desempenho. Repita umas duas ou três vezes a acção sempre atento a velocidade que você consegue executar o exercício. Pronto você definiu a velocidade máxima do movimento para aquela carga, agora, dependendo do objectivo de seu treino calcule 25% ou 75% desta velocidade e execute os exercícios naquela máquina atentando para que todo o movimento seja feito na velocidade definida, nem mais nem menos.
Vemos de maneira bem simplificada que para desenvolver massa o movimento é lento e para resistência o movimento é rápido.
O numero de repetições do exercício define a intensidade do mesmo.
Para se ganhar resistência física é preciso repetir o exercício várias vezes, noutras palavras, devemos fazer séries de repetições longas. É como fazer uma corrida, para se ter resistência física corremos o maior tempo possível ou a maior distancia possível. Somando-se velocidade de repetição elevada e carga leve teremos ao grupo muscular que esta sendo estimulado suficiente para melhorar aspectos fisiológicos que irão dar ao grupo muscular maior resistência a execução de actividades físicas prolongadas.
Para o ganho de massa muscular a quantidade de repetições deve ser pequena. Somando-se velocidade de execução baixa com carga elevada e numero de repetição pequeno temos a situação ideal para gerar estímulos fisiológicos para que o grupo muscular sofra aumento de massa (ganhe fibras musculares) melhorando sua força.
Assim, em termos de musculação: Para ganhar massa (força) muscular fazer séries curtas (10-12 repetições) com velocidade pequena (25% da máxima) com repetição das séries por 3 a 5 vezes (por exemplo). Para ganho de resistência física fazer séries longas (15-21 repetições) com velocidade alta (75% da máxima) com repetição das séries por 2 a 4 vezes (por exemplo).
Extensão do Movimento: O estímulo para o músculo desenvolver fibras musculares e reservas musculares que definem sua força e resistência vem da relação directa entre carga e extensão do movimento. A extensão do movimento caracteriza o “TAMANHO” do movimento realizado pelo grupo muscular. Para estimular o músculo a desenvolver as características descritas este deve ser contraído 75% da extensão máxima de seu comprimento.
Observe o movimento de seu antebraço quando você o levanta em direcção ao braço. Em extensão máxima nosso antebraço forma com o braço um ângulo de 180 graus. Em flexão plena do antebraço sobre o braço este ângulo é quase zero pois braço e antebraço ficam praticamente em paralelo. Assim a extensão máxima de contracção dos músculos flexores do antebraço (bíceps braquial principalmente), ou seja, o comprimento máximo de contracção deste músculo, permite um deslocamento do antebraço de praticamente 180 graus em relação a articulação do cotovelo. Esta é a extensão máxima ou comprimento máximo de movimento deste grupo muscular.
No exemplo acima quando contraímos 75% da extensão máxima dos flexores do antebraço deslocamos o membro ate que o ângulo da articulação do cotovelo seja 75 % do ângulo máximo (180 graus) que corresponderia aproximadamente um ângulo de 35-40 graus.
Contrair menos que 75% de seu extensão gera no músculo uma situação de contracção incompleta que pode causar Discinesia Muscular (as fibras musculares funcionam como barras paralelas que deslizam umas sobre as outras durante a contracção muscular de forma a reduzirem a extensão do músculo provocando o movimento do membro. Discinesia é uma situação em que esta característica é perdia pela perda do movimento adequado das fibras musculares que perdem a capacidade de deslizarem entre si como barras paralelas e com isto o movimento muscular fica prejudicado prejudicando directamente o trabalho muscular e comprometendo o desempenho do grupo muscular).
Contrair o músculo 100% de seu tamanho gera uma situação de acção e repouso. Em seu curso máximo o grupo muscular atinge o máximo de flexão/extensão da articulação do membro utilizado. Isto causa uma sobrecarga da articulação podendo gerar danos a esta e é uma situação que também pode gerar Discinesia muscular pelo “Arranque” causado nas fibras musculares entre a contracção e repouso quando o músculo atinge seu curso máximo. Assim devemos começar o movimento na extensão máxima permitida pela articulação do membro, forçar a contracção muscular até obter flexão de no máximo 75% do comprimento do músculo e depois relaxar a musculatura ate que o movimento do membro atinja quase toda a capacidade extensora da articulação sem que esta seja atingida e devemos reiniciar o movimento novamente evitando que se force a articulação pela extensão excessiva da mesma, de maneira que o músculo execute uma contracção e relaxamento durante o movimento o mais homogeneamente possível evitando-se os “arranques” abruptos e “paradas” abruptas, ou seja durante o movimento o músculo dever ser mantido em contracção continua, sem mudanças bruscas.
Trabalho cardio respiratório: Temos duas fases. 1- Fase de sobrecarga, que corresponde a execução da atividade onde a demanda muscular (esforço) para realizar o exercício vai exigir de nosso corpo adaptações da parte cardio respiratória para que as necessidades musculares sejam atendidas. É característico desta fase o aumento do Trabalho Cardíaco (causado pelo aumento do débito cardíaco resultante directamente no aumento da frequência cardíaca.) e aumento da ventilação pulmonar, representado pelo aumento da frequência respiratória.
2- Fase de recuperação. Quando cessa a actividade física também cessa as necessidades do grupo muscular e com isto as alterações no debito cardíaco para suprir as necessidades musculares podem ser revertidas a seu estado normal (como dizemos em medicina, revertidas ao estado de repouso) e com isto ocorre uma diminuição da frequência cardíaca e redução da frequência respiratória.
Existe um tempo de latência entre o retorno das atividades cardio respiratórias do estado de execução do exercício ao estado de repouso. Quanto maior for este tempo pior é a sua resistência física. Com o treinamento e melhora da resistência física o tempo de retorno ao estado de repouso (medido pela frequência cardíaca) é menor indicando que seu treino esta sendo bem realizado e os resultados já são visíveis. Assim, as séries executadas durante a musculação devem ser realizadas com um intervalo de tempo entre uma serie e outra. Este intervalo é representado pelo tempo necessário para que seu sistema cardio respiratório volte ao estado de repouso. De maneira objectiva, observe seu batimento cardíaco e frequência respiratória e quando estes dois estiverem normalizados (em estado de repouso) você pode iniciar uma nova série de exercícios.
Alem de servir para controle da resposta ao treino o controle da actividade cardio respiratória deve ser feito durante a execução do exercício da seguinte maneira.
Respiração: durante o exercício ao contrair a musculatura devemos inspirar na mesma velocidade de execução do movimento e expirar ao relaxar a musculatura também na mesma velocidade do movimento. Assim para séries rápidas faz-se uma inspiração e expiração rápida e curta. Para séries lentas faz-se uma inspiração lenta e profunda e uma expiração lenta.
Ao relaxar a musculatura do grupo em actividade, devemos expirar na mesma velocidade do movimento repetindo assim na expiração o mesmo que fizemos na inspiração.
O intervalo entre uma repetição e outra, é algo também importante. Devemos fazer curtos intervalos, apenas 1-2 segundos, em caso de séries rápidas, e um intervalo maior, 5-8 segundos em caso de séries lentas.
É necessário salientar alguns aspectos:
Ganhar massa muscular significa ganhar força e não resistência e ganhar resistência física não é ganhar massa muscular. Você nunca vai ver um halterofilista fazendo uma maratona, uma CA ou actividade outra que exija preparo físico. Um halterofilista tem força pra levantar 200 - 300 quilos mas não tem “fôlego” para correr ou remar por longos kilometros.
Num ginásio você ira ver gente de todo tipo e cada um sabe mais que qualquer pessoa no mundo, mais que qualquer livro de medicina que exista e sempre terá uma fórmula mágica para obter de maneira o mais rápido possível o resultado que deseja. Quase sempre o que este tipo de pessoa ganha são músculos Discinéticos, articulações lesionadas e problemas sérios de coluna. Não de ouvidos a este tipo de pessoa pois você poderá ser o prejudicado.
Um Personal com boa formação deverá verificar junto a você o objectivo de seu treino e baseado no seu objectivo e nos aspectos descritos acima fazer uma programação de treinos. Se por algum motivo este personal fugir aos conceitos descritos ou ele não esta buscando atingir o seu objectivo de treino ou esta mal informado sobre como a fisiologia funciona e seu plano de treino pode lhe ser prejudicial ou não atender as suas necessidades. Fuja deste tipo de pessoa também.
Fazer revezamento dos grupos musculares no seu plano de treino pode ou não ser adequado. Quando o objectivo principal do treino é melhoria do condicionamento físico não é necessário fazer isto e todos os grupos musculares podem ser trabalhados em um único dia de treino. Mas, sempre tenha em mente o seu objectivo do treino pois este pode exigir este tipo de revezamento.
Sempre fui resistente a fazer ALONGAMENTO, pois nunca vi o benefício que este tipo de prática causaria aos grupos musculares. Recentemente discutindo este tipo de pratica com um profissional de fisioterapia ele me disse que minhas suspeitas têm fundamento, pois submeter os músculos a extensões e flexões forçadas, que é o que fazemos ao alongar, pode ser causa de discinesia muscular prejudicando o desempenho do músculo.
Com estes conceitos é possível fazer um Plano de treino, utilizando a Musculação como forma de actividade física, que se adeqúe as suas necessidades.
Se há um problema articular já estabelecido podemos melhorar o desempenho desta articulação pelo fortalecimento da musculatura Peri articular melhorando sua resistência e com isto seu desempenho podendo resolver o seu problema ou evitar lesões futuras. É isto que fazem os fisioterapeutas.
Se você tem uma deficiência especifica, pode trabalhar o grupo muscular em questão de forma isolada melhorando seu desempenho e com isto sanando a sua deficiência. A exemplo dos remadores que sofrem com o “Remo”, fortalecer a musculatura dos braços e tórax pode ser a diferença entre um remo fácil e um eterno sofrimento. O mesmo vale para os membros inferiores que fortalecidos pela musculação dirigida para os grupos musculares das pernas pode fazer seu próximo pedal ser algo muito mais fácil.
Assim, vemos que a musculação é extremamente versátil e quando utilizada de forma segura, consciente, pode ser a forma mais completa de treino podendo atender a qualquer tipo de necessidade, alem de ter a facilidade de ser possível fazer tudo em um só local sem que seja necessário utilizar-se de equipamentos específicos para poder trabalhar um determinado aspecto que seja falho na sua preparação para as corridas de aventura.
Escolha um bom ginásio, fuja de “falsos professores”, faça a sua actividade sem excessos e de maneira segura e você terá bons resultados com este tipo de actividade e com certeza sua próxima corrida será bem mais fácil.

Por Dr. Iversen